segunda-feira, agosto 07, 2006

Negociação: Como chegar à paz?

O conflito entre Israel e Líbano é uma pequena parte do problema. É preciso que todo o Oriente Médio entre na mesa de negociações.
Se Israel atendesse a tudo isso, acabaria a guerra?
O atual enfrentamento, sim. Mas a guerra de longo prazo, não. A reivindicação de fundo do Hezbollah, sua própria razão de existir, é a destruição do Estado de Israel. A própria decisão ä do grupo de atacar os soldados israelenses em 12 de julho tem a ver com esse objetivo estratégico.
Por que o Hezbollah quer o fim de Israel?
O Hezbollah defende a tese radical de que as terras que já foram islâmicas têm de voltar ao controle de governos islâmicos. Essa visão é compartilhada por outros grupos shemita, que está no poder na Jordânia até hoje. O território do Iraque congregou xiitas, sunitas e curdos. O objetivo britânico era manter sob o mesmo território três importantes campos petrolíferos. A França separou do restante do território sírio o que hoje corresponde ao Líbano, para formar um país de maioria cristã. Depois da Segunda Guerra Mundial, a ONU aprovou a divisão do território da Palestina, então ainda uma possessão britânica, em dois Estados: um judeu e um árabe. Só o novo Estado judeu foi criado, Israel, uma vez que os países árabes se opuseram à decisão da ONU.
Por que antes da divisão feita pelos europeus essas comunidades diferentes conviviam e, depois, entraram em conflito?
Porque sob o domínio otomano as comunidades tinham identidades locais, com a região ou cidade, e a mais geral possível, com o Estado que governava grande parte do mundo muçulmano. A criação dos novos Estados, nos moldes dos países que existiam na Europa, desencadeou a luta entre etnias e religiões pela hegemonia dentro das novas entidades.
Que ligação isso tem com o atual conflito?
Dividida há pouco tempo, em termos históricos, toda a região do Oriente Médio ainda é muito instável. Quase todos os países ainda buscam sua identidade e seu desenho definitivo. Por causa disso, o Líbano chegou à Guerra Civil em 1975. O conflito só terminou com a entrada de tropas sírias no país. Os sírios ficaram até o ano passado. O assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, pelo qual os sírios foram acusados, forçou a retirada das tropas. Parte da elite militar síria, que tem enorme influência no governo, acha que o Líbano é uma parte natural da Síria e não deveria existir como Estado independente. O Líbano vive hoje um delicado equilíbrio entre as várias forças que lutaram na guerra civil. Todas participam do governo.
Que ligação tem Israel com a guerra civil libanesa?
Para contentar as várias comunidades religiosas libanesas, a Constituição do país se baseava na proporção delas. À maioria cristã pertencia sempre o presidente. O primeiro-ministro seria sempre muçulmano. As cadeiras no Parlamento eram divididas seguindo os mesmos critérios. Ocorre que, na década de 1970, milhares de palestinos, expulsos da Jordânia, se instalaram no Líbano. Já havia uma população grande de refugiados palestinos desde a guerra de fundação de Israel, em 1948. Na década de 1970, no entanto, a presença dos refugiados deu início a conflitos armados entre palestinos e libaneses. Contra os palestinos lutavam os membros dos partidos de esquerda do Líbano e organizações cristãs. Logo, sunitas e drusos, minorias islâmicas descontentes com o equilíbrio previsto na Constituição, entraram na guerra. Para combater os palestinos, que aproveitavam o conflito libanês para se armar e atacar Israel, os israelenses invadiram o Líbano em 1982.
Que conseqüências isso teve?
A direção da Organização pela Libertação da Palestina abandonou o Líbano, indo para a Tunísia. Se isso pode ser considerado uma vitória israelense, a criação do Hezbollah foi a principal derrota. Formado por xiitas, o grupo teve o apoio militar e financeiro da Síria e do Irã para combater a presença israelense no Líbano. Tendo iniciado sua atuação como grupo terrorista, praticando ataques suicidas e seqüestros, o Hezbollah evoluiu militarmente até ser a mais poderosa força armada do Líbano. Controlando o sul do país como um Estado dentro do Estado, o Hezbollah tornou-se um partido poderoso.
Por que o Irã apóia o Hezbollah?
A ala mais dura do regime islâmico iraniano vê como principal tarefa estratégica do país a disseminação do mesmo tipo de revolução islâmica que ocorreu no Irã. O Hezbollah é um dos braços armados dessa ideologia.
Então esta é uma guerra do islã contra o Ocidente?
Não. Mesmo países islâmicos estão divididos. Entre sunitas e xiitas, progressistas e tradicionais, liberais e socialistas, laicos e religiosos. E entre aliados e inimigos dos Estados Unidos. Só enxergando essas diferenças e lidando com elas será possível pacificar a região.
Milícia e partido, o grupo é mais forte que o governo libanês
O xeque Hassan Nasrallah é um ídolo no mundo árabe. Como líder do Hezbollah, ele construiu a fama de ser o único que, enquanto os demais ficam apenas reclamando, enfrenta diretamente Israel. E vence.
Depois de resistir a três semanas de ataques diários de Israel sem, aparentemente, perder a capacidade de combate, o Hezbollah parece ter mudado de status. Até agora, controlando o sul do país e a periferia sul de Beirute, o grupo parecia ser um Estado dentro do Estado. Esse papel agora parece caber ao Líbano: o Hezbollah é muito mais forte que o governo. E, se resistir à ofensiva israelense, parecerá mais forte que qualquer Força Armada regular do Oriente Médio. A única capaz de enfrentar Israel sem ser esmagada.
Para um grupo que começou clandestinamente seqüestrando americanos e praticando ataques suicidas, é um avanço notável. Fundado em 1982 por inspiração do Irã, e com financiamento iraniano, o grupo tinha como tarefa específica combater as tropas israelenses que haviam invadido o país. Seus militantes vinham da população xiita, que compõe a maioria da metade muçulmana da população libanesa. De grupo terrorista, o Hezbollah se tornou uma milícia, participando plenamente da Guerra Civil e controlando território.
Com o país destroçado, o Hezbollah foi expandindo sua atuação entre a comunidade xiita. Tornou-se grupo assistencialista, administrando hospitais, escolas e creches nas regiões sob seu controle. Uma extensa rede de comunicação que inclui uma rede de TV ajudou o Hezbollah a perpetrar sua última metamorfose, a transformação em partido político, finalmente justificando o nome, que em árabe significa Partido de Deus.
Na eleição de maio do ano passado, o Hezbollah conquistou 14 das 128 cadeiras do Parlamento. O suficiente para ocupar dois postos no ministério libanês.
Mas as armas continuam lá. Estima-se que o arsenal do Hezbollah conta com cerca de 13 mil mísseis. Alguns deles suficientemente sofisticados para atingir um navio israelense ao largo do Líbano, o que foi feito uma vez neste conflito, e Haifa, terceira maior cidade israelense, o que foi feito mais de cem vezes.
Fonte: Marcelo Musa Cavallari na revista Época da Editora Globo na edição 429 - Ago/06

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