segunda-feira, agosto 28, 2006

Práticas de negociação

Confira o que nos ensina Michael Gibbs, uma das principais autoridades mundiais em negociação e resolução de conflitos.

Quais os itens básicos que uma pessoa deverá conhecer antes de iniciar um processo de negociação?
1. Acima de tudo: saber quais opções estarão disponíveis caso o negocio não se concretize.
2. Conhecer seus próprios pontos fortes e pontos fracos.
3. Conhecer seu "resultado final", ou o momento certo para desistir da negociação.
4. Saber o que realmente deseja fazer para que o negócio aconteça.
5. Dispor de uma razoável avaliação dos desejos e necessidades da outra parte e o que ela pretende fazer para alcançá-las. Abraham Lincoln disse certa vez que, ao se preparar para negociar com alguém, usava 30% de seu tempo pensando no que desejava alcançar e 70% pensando no que a outra parte esperava obter.
6. Conhecer pelo menos três peculiaridades da vida da outra pessoa:
- Hobbies / esportes
- Filhos / família
- Escolaridade
Quais são as chaves para o sucesso de um acordo comercial?
1. Fazer planejamento. Dispor de um mapa guia que indique onde você se encontra e aonde deseja e precisa chegar.
2. Estabelecer grandes expectativas. Sabemos por meio de trabalhos de pesquisa que a maior parte das pessoas planejam para o nível mínimo do que desejam e não para o "melhor cenário de casos". A maioria dos negociadores estabelece metas muito modestas.
3. Manter-se fiel à sua ótica da situação. Manter em mente a "grande fotografia" do que deseja alcançar, inclusive as metas de longo prazo, o alinhamento com os objetivos da organização e um sentimento daquilo que é justo.
4. Saber quando desistir caso a negociação não satisfaça seus melhores interesses.
5. Iniciar e manter um relacionamento positivo com a outra parte.
6. Deixar de lado a necessidade de "vencer a qualquer preço".
7. Saber quais resultados deseja obter, inclusive:
- Econômicos: normalmente o que deseja em termos de preços, prazos e condições do negócio.
- "Psiconômicos": descritos pelo que necessita obter, normalmente suas motivações e desejos particulares. Geralmente, são esses os mais poderosos fatores no fechamento de um negócio.
Que tipos de habilidades deveriam ser desenvolvidas por um bom negociador?
1. Ser de fato capaz de ouvir para entender. Freqüentemente prestamos atenção naquilo que desejamos ouvir, ou nos pontos fracos que poderíamos explorar, ou ainda nas informações que poderíamos usar como uma marreta contra quem estiver do outro lado. Em vez disso, preste atenção aos problemas a serem confrontados, ouça o que o outro lado não apenas deseja como de fato necessita, fique atento a indicações que poderiam levá-lo ao bem-sucedido fechamento do negócio - essas são normalmente de natureza pessoal e não são livremente oferecidas.
2. Ser paciente. Os melhores negócios chegam para os que conseguem "morder a língua" e aguardar, mas lembre-se de que o tempo normalmente lança um olhar mais favorável ao comprador, - é mais afável com o comprador.
3. Os grandes negociadores são os que conseguem solucionar problemas. Conseguem pensar em caminhos novos e diferentes, são rápidos na formulação de alternativas e dominam as conseqüências de cada alternativa.
4. Os bons negociadores constroem confiança. Esforçam-se por entender a posição e os interesses de todas as partes, mantendo seus sentimentos pessoais sob controle.
O senhor poderia descrever os erros mais freqüentes praticados em uma negociação?
1. Falar demais. Lembre-se de que a negociação não é um debate, ou um teste de sua capacidade de persuasão.
2. Não ser flexível. Em diversas oportunidades vi pessoas se apegarem tão fortemente às suas metas imediatas, a ponto de não conseguirem vislumbrar outras soluções alternativas ou possibilidades aceitáveis capazes de atender a seus objetivos. Por exemplo, um comprador poderá estar tão apegado à compra de um equipamento que acaba por esquecer de explorar os termos e condições de um leasing.
3. Mau uso do poder: fazer ameaças e usar métodos abusivos contra a outra parte. Isso cria uma "conta de retorno negativo" que, de alguma forma, terá de ser ajustada antes de concluir a negociação. E, se fizer alguma ameaça, esteja certo de que realmente "deseja" concretizá-la.
4. Presumimos demais. Alguém disse um dia que uma suposição é: "uma conclusão baseada em fatos, não em evidências". Um fato do comportamento humano é que temos tendência a acrescentar informações na ausência de fatos. E quase sempre as informações são erradas.
O senhor poderia descrever um caso de negociação bem-sucedida?
Há alguns anos os Estados Unidos negociavam o fornecimento de gás natural do México. A equipe americana imaginava que por ser o maior cliente do México, e pelo fato de a infra-estrutura para transporte do gás para os Estados Unidos já ter sido construída e já estar paga, e que seria caro levar o gás a outros clientes, a oferta que eles (os Estados Unidos) fizeram aos mexicanos foi por meio de uma "bola muito baixa".
Quando os Estados Unidos se recusaram a melhorar sua oferta, os mexicanos simplesmente refugaram o obstáculo, deixaram a mesa de negociações e voltaram para casa. Os Estados Unidos achavam que seria um impasse temporário já que os mexicanos não dispunham de alternativa viável. Tremendo erro! Não só os mexicanos não retornaram, como abriram as válvulas de vários de seus poços de gás ao longo da fronteira e incendiaram (puseram fogo) nos poços.
A mensagem foi, preferimos queimar o nosso gás a vendê-lo a vocês. Os americanos haviam insultado os mexicanos. Não só o gás ficou queimando como os ventos predominantes do sudoeste por trás dos poços em chamas impeliram uma densa fumaça para os estados americanos ao longo da fronteira do Rio Grande. Os Estados Unidos logo voltaram à mesa de negociações e concordaram com um preço significativamente superior ao apresentado no ano anterior. A lição:
- Os brasileiros às vezes falam em "sempre levar vantagem". Se pensam em agir desta forma, estejam preparados para saber o que fazer se o outro lado desistir de negociar, e tenham em mãos estimativas razoáveis do que a outra poderá efetivamente fazer.
- Lembrem-se do conceito de retorno negativo.
- A história do passado tem valor. Os mexicanos costumam dizer: "Pobre México, tão próximo dos Estados Unidos e tão distante de Deus". Eles são muito sensíveis aos desentendimentos passados e guardam lembranças de um passado longínquo.
Quais os principais atributos de um "negociador ideal"?
1. Ser capaz de aprender com os erros do passado. Por exemplo, eu aprendi muito cedo que é melhor superestimar do que subestimar seu oponente.
2. Os negociadores ideais são inovadores. Eles vêem coisas que outras pessoas não conseguem enxergar, o chamado pensamento "fora da caixa". Estão sempre dizendo "o que acontecerá se", ou "isso será de fato uma possibilidade?"
3. Possuem um sentido perfeito das pessoas. Sabem intuitivamente quando pressionar e quando aliviar, quando a outra pessoa está pronta para uma oferta e quando não, e quando fazer assertivas e quando ficar calado.
4. A integridade do negociador ideal está acima de qualquer suspeita. Ele/ela não mente para obter vantagem ou lucro e sempre sustenta seus comprometimentos.
5. Eles conseguem colocar e manter seus egos nos bolsos de trás. Separam seus valores pessoais dos resultados da negociação.
O senhor conhece a frase em espanhol "ao inimigo que foge, ponte de prata"? O senhor concorda?
Não. Mas meu ditado favorito a respeito de negociações é: "O tolo sabe o preço de tudo e o valor de nada".
Quais os principais aspectos que um negociador argentino deveria conhecer ao negociar com o FMI?
Eu enfatizaria o segundo e o terceiro nível de negociações por trás do confronto entre o FMI e a Argentina. Veja isso por outro prisma, você na verdade não está negociando com o FMI, mas com todos os demais que possam ter algum interesse no desfecho. Por exemplo, por trás do FMI há um elenco de personagens que incluem o G-7, o Governo dos Estados Unidos, inclusive o Departamento de Estado, todos os investidores privados e até mesmo os contribuintes americanos.
O Presidente Nestor Kirchner parece ter reconhecido esses relacionamentos e soube vender-se bem a esses grupos de segundo e terceiro nível, pressionando assim o FMI e seu diretor gerente Horst Koehler. Poder-se-ia facilmente alegar que a Argentina estava na posição do poder. Tinha muito pouco a perder e o FMI não poderia se dar ao luxo de deixá-la abandonar a mesa de negociações. E, de fato, bastou um dia para o FMI desmoronar.
Em uma negociação, todos se beneficiam ou há sempre um perdedor?
O objetivo é realizar um trabalho conjunto para aumentar o tamanho do bolo e depois competir para dividi-lo.
Quais os vários estágios / fases de uma negociação?
Se você está pensando em estágios, eles são:
1. Análise e decisão de se engajar
2. Planejamento
3. Preparação
4. Negociação
- introdução
- emoldurar os problemas
- sondar
- oferecer
- solucionar opções e problemas
- acordos
- fechamento
- acompanhamento
Qual tática a ser adotada pela parte menos forte a fim de ganhar terreno?
1. Sempre conhecer algo sobre a concorrência—algo pessoal sobre suas famílias, hobbies, patrões etc. Eu sigo a "Regra do 4-3-2-1": saber 4 coisas sobre a pessoa, três coisas sobre sua empresa, 2 coisas sobre seus concorrentes e 1 coisa que você poderá fazer para ajudá-la a resolver seus problemas.
2. Nunca negociar com uma parte mais forte, a não ser que você tenha uma "Porta dos Fundos": o que fazer se não houver negócio - sua moeda (melhor opção em desfecho adverso)
3. Se o outro lado for mais forte, procure um parceiro que possa reforçar sua posição.
4. Ser muito claro quanto a seu resultado final (o que está buscando) e em que altura da negociação você decidirá abandonar, e realmente abandonar se seu resultado final for violado.
O fato de a parte que estiver em posição de força ter a possibilidade de não ouvir as propostas da outra parte, não transformará a negociação em uma imposição? Teria sido esse o caso dos Estados Unidos na negociação com a ALCA?
Os dois lados deverão poder se beneficiar de uma negociação - caso contrário, as estratégias e táticas estarão sendo diferentes. Se um dos lados puder efetivamente ignorar o outro, é porque esses benefícios talvez não estejam claros para nenhum dos lados.
Como o fator tempo poderá afetar todo o processo de uma negociação?
O tempo geralmente está do lado do comprador - aquele que puder esperar normalmente se beneficiará mais. O tempo não passa com a mesma velocidade por todas as pessoas.
O uso de imposição de prazos finais em geral é uma tática adotada para forçar um dos lados a uma conclusão não tão favorável. O tempo, portanto, também deverá ser negociável. Por exemplo, um dos lados dirá "a proposta deverá estar em meu escritório até as 17 horas de sexta-feira". Minha experiência é que, em pelo menos 50% das negociações, o prazo final é móvel. A maioria dos prazos finais é arbitrária e, portanto, negociável.
Como uma das partes poderá saber a hora de abandonar uma negociação que a esteja levando a lugar nenhum ou no mínimo a resultados não desejados?
Claramente, quando os benefícios de abandonar a negociação forem maiores do que a realização da negociação, deve-se deixá-la de lado, ou simplesmente ir embora. É comum ver pessoas realizando negócios que são piores do que não realizar nada.
Sempre se pergunte: "qual o custo de realizar algo comparado ao custo de não fazer nada". O foco das pessoas é sempre voltado para a tentativa de obter o que elas pensam que querem, esquecendo-se de calcular o resultado dessa pergunta e obtendo menos do que se não fizessem nada.
O que não é negociável?
Seus valores e sua ética são rigorosos e firmes - não deverão jamais serem postos "sobre a mesa". Quase tudo mais estará aberto à negociação.
Que características deverá ter um acordo final para ser considerado bem-sucedido e realmente eficaz?
1. Todos os lados deverão ser ouvidos.
2. Deverá oferecer a percepção de um acordo justo e eqüitativo.
3. Deverá ser isento de inveja / parcialidade.
4. Não deverá deixar nenhum dos benefícios esquecidos sobre a mesa.
5. Deverá procurar aumentar o tamanho do bolo de todos os envolvidos.
Qual a negociação mais difícil que o senhor enfrentou?
Pessoalmente, as negociações mais difíceis acham-se dentro de seu casamento e de sua família. E isso porque trazem consigo um componente emocional e investimentos psíquicos. Alguns exemplos:
1. Enfrentar conversações difíceis e continuar crescendo no casamento, colocando-se na mente de seu parceiro e mudando seu próprio comportamento como resultado disso.
2. Estabelecer fronteiras firmes e justas para seus filhos e, em seguida, torná-los responsáveis por seus atos e aplicar-lhes as conseqüências.
3. Negociar a divisão dos bens de uma família entre os filhos herdeiros - muito difícil. As feridas e mágoas do passado são aumentadas e a quitação da percepção dessas feridas e mágoas deverá ser incluída no acordo do balanço patrimonial
Quais as diferenças de estilo nas negociações entre latino-americanos, europeus e negociadores dos Estados Unidos?
1. Os Estados Unidos são movidos pelo tempo e com foco no resultado final, onde o sim geralmente significa sim.
2. Embora existam muitas diferenças entre, por exemplo, os mexicanos, argentinos e brasileiros, os latino-americanos normalmente são movidos pelo relacionamento, com enfoque na confiança, onde o sim às vezes pode significar não.
3. Os franceses estão mais próximos do estilo dos argentinos. O estilo e a imagem são importantes, as conexões pessoais são essenciais, e o detalhe de um negócio deverá ser bem definido.
Como interromper uma negociação face a um impasse?
1. Usar de humor - contar uma anedota.
2. Criar uma pausa.
3. Mudar o local da negociação.
4. Mudar os negociadores.
5. Mudar a "cor" do dinheiro. Por exemplo, leasing em vez de compra. Oferecer um pagamento inicial maior em troca de juros mais baixos.
6. Sondar o que eu chamo de "psiconomia", as motivações e receios internos da outra parte. As pessoas contam sempre a você "o que elas desejam", mas raramente contam, ou nem sequer sabem "do que elas precisam". Por exemplo, o comprador de um carro poderá dizer: "Eu quero um BMW", quando na verdade ele precisa do prestígio que acompanha um BMW.
7. Ouvir, ouvir, ouvir.
8. Convidar um terceiro para servir de mediador.
Como o senhor antevê as futuras negociações entre o governo argentino e seus credores privados? O senhor considera a proposta do governo de uma redução de 75% da dívida como sendo uma boa base para negociação real, ou seria uma delicada imposição?
Não tenho como saber se é real ou não. Ocorre-me a idéia de que alguém deve ter tomado uma decisão calculada sobre o número a ser utilizado. O passado histórico mostra que a dívida privada tende a ser excessivamente otimista quando os empréstimos são feitos, e excessivamente generosa quando da renegociação da dívida --- o devedor conhece esse histórico e poderá se tornar muito agressivo quanto aos termos da liquidação (os 75% mencionados acima). O emprestador normalmente esquece ou prefere ignorar a experiência passada.

Fonte: http://www.hsm.com.br/editorias/processos/entrevistagibbs150806_2.php?

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