quinta-feira, outubro 05, 2006

A liderança jesuíta nos negócios

Educado em colégios jesuítas dos Estados Unidos, ex-seminarista - e também ex-diretor executivo do banco de investimentos JP Morgan. O currículo eclético pertence ao economista Chris Lowney, formado pela Fordham University, de Nova York. Depois de 17 anos viajando a negócios por países da Ásia, Europa e pelos Estados Unidos, Lowney deixou a frieza do mercado financeiro para participar de uma missão que levou a palavra jesuíta aos africanos. Desde 2001, Lowney dedica a maior parte de seu tempo a entidade filantrópica Catholic Medical Mission Board (CMMB), que desenvolve trabalhos focados na prevenção a AIDS na África. Na tarde desta quinta-feira (28), ele esteve em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, durante o seminário "A Globalização e os Jesuítas", promovido pela Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos). Na palestra, intitulada "Características de liderança em uma organização: o caso da Companhia de Jesus", Lowney abordou a idéia de que cada pessoa precisa enxergar a si mesma como um líder. "O mundo tem um problema cultural de pensar que as únicas pessoas com capacidade de serem líderes são chefes, executivos, presidentes de nações, aqueles que gozam de autoridade e posição. Essa é uma das formas de liderança, mas eu desafio os participantes da palestra sobre esse novo modelo de liderança, de que qualquer pessoa pode ser um líder", prega Lowney. Antes da palestra, o economista conversou com exclusividade com a equipe de AMANHÃ. Abaixo, alguns trechos do bate-papo:
O que os jesuítas têm a ensinar aos empresários?
Dos 14 aos 18 anos, eu estudei com os jesuítas. Depois do colégio, entre os 18 anos 24 anos, eu fui seminarista, pretendia me tornar padre. Em seguida, optei por trabalhar junto ao JP Morgan, onde me tornei diretor executivo durante 17 anos. Então eu tento imaginar os jesuítas como uma companhia. Nos meus livros, eu tento imaginá-los como uma organização humana que dá certo e tem muito sucesso ao longo dos últimos 500 anos. Eu penso em quais das idéias humanas deles podem ser retiradas de sua trajetória de sucesso e que irão nos ajudar na organização das nossas vidas. Eu destacaria quatro características jesuíticas. Consciência própria: para mim, é a base da boa liderança. Cada pessoa precisa conhecer profundamente a si mesma. Quais são os meus valores, visões de mundo, forças, fraquezas, como eu trato os outros seres humanos. Ingenuidade: O mundo está mudando muito rápido e os líderes precisam se adaptar a um mundo em franca mudança. Não pode ter medo da mudança, mas negociar com a mudança. Heroísmo: Nós devemos motivar a nós mesmos, primar pela excelência, estabelecendo metas e objetivos acima de qualquer pessoa individualmente. Amor: devemos tratar bem o próximo, seja um funcionário, um subordinado, um cliente, respeitando a dignidade humana e tentando maximizar o seu potencial humano. Essas quatro idéias podem ser observadas na forma como os jesuítas trabalham, treinam os seminaristas, enfim, na forma como eles operam. Eu acredito que esses sejam os principais segredos da liderança jesuítica. No Rio Grande do Sul, a história da região das Missões é muito famosa. Eles vieram para essa parte do mundo de uma forma muito ingênua, tentando trabalhar com os indígenas, um abismo de diferença. Muitos europeus diziam que os habitantes da região eram animais, como bestas. Mesmo assim, os jesuítas defenderam que eram seres humanos e que era preciso reconhecer seus potenciais humanos e ajudá-los a desenvolvê-los.
No ano passado, muitos livros relacionando religião e liderança foram publicados. Há uma nova linha de liderança baseada na religião?
Eu não sei como explicar completamente esse fenômeno, mas eu tenho um ponto-de-vista. Nos Estados Unidos de hoje - e, acredito, há um paralelo com o Brasil -, muitas pessoas estão desiludidas, sem uma perspectiva. Essas pessoas passam por uma crise de propósitos, especialmente aquelas que trabalham em grandes corporações. Essa é uma das razões para o crescimento das publicações envolvendo liderança com base religiosa. Somos seres humanos e temos propósitos profundos na vida e um bom líder precisa conhecer e entender seu próprio propósito antes de liderar. Por isso, há uma busca por esse lado espiritual. As pessoas estão parando para pensar. Liderança não é um truque que o executivo usa para fazer os funcionários desempenharem suas funções. Até pouco tempo, as publicações tratavam apenas de truques. Diziam que um líder tem que agir de uma determinada forma e tudo se resolverá, todo mundo cumprirá suas metas. Mas isso não é liderança. Liderança é algo muito mais profundo.
Como o senhor vê a China nesse contexto?
Eu não posso falar com um grande conhecimento sobre essa questão, mas posso dizer que, agora, Índia e China estão recebendo maior reconhecimento e estão no auge do sucesso. O Brasil está numa situação difícil. Enquanto se desenvolve lentamente, é invadido por outras economias em desenvolvimento, principalmente a China. Eu trabalhei num banco de investimentos por muitos anos, viajando o mundo todo, e posso ver os benefícios da globalização para os países em desenvolvimento com livre mercado. Mas esse processo de transformar o mundo em algo global, com mercados abertos, cria uma tremenda dificuldade no custo das pessoas. No Rio Grande do Sul, as indústrias de calçados e couros estão tendo terríveis problemas com a competição chinesa. Temos benefícios globais do livre comércio, mas em áreas e setores específicos, a abertura é terrível para os custos humanos. Meu medo é de que algumas vezes, polarizamos demais uma discussão. Uma pessoa fala sobre o quão maravilhoso é o livre comércio, mas ignora o prejuízo trazido às pessoas envolvidas no processo.
Por que o senhor decidiu deixar o JP Morgan para se dedicar a uma entidade filantrópica?
Por um lado, eu estava muito feliz no JP Morgan, onde trabalhei por 17 anos. Era um trabalho muito interessante e desafiador. No entanto, em 2001, comecei a pensar comigo mesmo: eu não quero ter 60 anos e dizer que a única coisa que eu fiz na vida foi ter trabalhado em uma grande companhia. Eu pensei que tinha oportunidades de fazer outras coisas na minha existência, mais especificamente para tentar melhorar o dia-a-dia dos meus irmãos ao redor do mundo. Foi isso o que me motivou. Assim, me identifiquei com a CMMB, uma organização filantrópica focada em trabalhos de prevenção a AIDS, que hoje se concentra na África.
No livro, "Fidel: uma biografia em duas vozes", do jornalista Luis Ignacio Ramonet, o ditador cubano Fidel Castro comenta que parte do sucesso da revolução no país se apóia em sua educação jesuítica. O que o senhor acha dessa afirmação?
É curioso perceber o número de líderes mundiais educados por jesuítas. Além de Fidel, temos o norte-americano Bill Clinton, o francês François Mitterrand, o peruano Alejandro Toledo, o mexicano Vicente Fox, só para citar alguns. São diversos líderes, de diferentes pontos-de-vista, educados por jesuítas. Eu não posso explicar esse fato completamente, mas acredito que tem uma relação com a idéia jesuíta de que as pessoas precisam conhecer e pensar sobre si mesmas de uma forma profunda. O jesuíta sempre trabalha para desenvolver, crescer, fazer coisas boas para o próximo.
Fonte: Daniele Alves, quinta-feira, 28 de setembro de 2006 na Revista Amanhã

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