sexta-feira, outubro 13, 2006

É possível forjar um líder?

Até que ponto os cursos podem ajudar sua empresa nessa tarefa
Quando recentemente a AT&T divulgou que estava oferecendo pacotes de aposentadoria antecipada a 72.000 gerentes, metade de sua equipe total, o consultor americano Michael Hammer ficou agitado. "É o fim da era gerencial", disse Hammer, guru da reengenharia. Se a AT&T não conseguisse voluntários suficientes, começaria a demitir. A notícia deixou Hammer excitadíssimo. "0 conceito de gerente já morreu", disse ele. "Precisamos é de líderes, treinadores, donos de processos".
O que Hammer, cujos trabalhos sobre reengenharia desencadearam a reestruturação mais maciça na história empresarial americana do início dos anos 90, vem fazendo ultimamente? A nova cruzada na qual ele está engajado é a educação de executivos. Hammer afirma que não trabalha mais com consultoria, e sim com educação. Gerentes de empresas podem obter seu "mestrado em administração de empresas" particular por ate 2.200 dólares cada um, em um dos seminários de treinamento de executivos ministrados por Hammer todos os meses. Com até 250 alunos em cada sessão, ele ganha tranqüilamente 550 000 dólares mensais.
Hammer não é o único a realizar esse trabalho. Treinamento de executivos em liderança é um dos temas quentes do momento. Depois da recessão do início dos anos 90, que atingiu em cheio os orçamentos de treinamento da maioria das empresas, essa área vive um ressurgimento importante. Centros de treinamento profissional, consultores, escolas de adrninistração de empresas, programas executivos, programas educacionais e de treinamento nas próprias empresas, todos competem pelos estimados 15 bilhões de dólares gastos anualmente com treinamento para executivos, segundo um relatório da Penn State University. Na corrida para encontrar o Santo Graal da liderança, as empresas talvez deparem com mais perguntas do que respostas:
·- Com as transformações ainda em pleno andamento, quem já acumulou sabedoria suficiente para ensinar executivos a se tornarem líderes no novo ambiente empresarial?
·- Será que as escolas de administração de empresas. que se apressaram a oferecer cursos de educação para executivos, não estarão simplesmente proporcionando o mesmo material de sempre em cursos mais caros?
·- Será que os executivos conseguem aprender tudo de que precisam em dois ou três dias de treinamento? E será que seu treinamento exerce algum impacto em seus locais de trabalho, quando eles voltam?
·- A perspectiva que se tinha antigamente, de uma carreira vitalícia em uma única empresa, praticamente deixou de existir. Será que é possível treinar líderes para trabalhar num ambiente de tensão e desconfiança?
·- A tecnologia remodelou o escritório tradicional. Mas quanta atenção já dedicamos a tarefa de ensinar as pessoas a ser líderes em equipes virtuais, organizações achatadas e equipes de colaboradores trabalhando com instrumentos próprios para grupos?
LEITE VERDE - É final de tarde no Center for Creative Leadership, o CCL. Quase todas as salas de aula na sede do centro estão repletas de gerentes candidatos a líderes. O CCL, uma entidade sem fins lucrativos da Fundação Smith Richardson, já teve pelo menos dois dos seus programas nos primeiros lugares de uma pesquisa dos melhores cursos de treinamento de líderes, feita pelo Wall Street Journal. Com 408 funcionários em tempo integral e 103 professores adjuntos, o centro tem um faturamento de 35,95 milhões de dólares e mal consegue suprir a demanda por seus cursos.
Em uma aula, cujo título é Fazendo Transformações, um grupo de altos executivos está sendo coagido a beber leitelho verde (leitelho é o leite pobre em gorduras que sobra depois da retirada da nata para a fabricação da manteiga). Os 10 alunos, gerentes de empresas como Nabisco, Giant Food, Toyota e American West Airlines, estão sentados em confortáveis cadeiras giratórias, diante de quatro mesas grandes. Robert Goldberg, psicólogo organizacional e coordenador de programa do grupo de liderança de equipes do centro, lidera a aula.
O exercício do leitelho mostra como superar a resistência no interior de um grupo de trabalho. Cada mesa designou uma pessoa para ser agente das mudanças, uma ou duas outras para apoiar as mudanças e duas outras para opor resistência a elas. Em cima da mesa há uma caixa fechada de leitelho. Os participantes não sabem, mas o leiteiho recebeu uma injeção de colorante verde para alimentos. O agente das mudanças precisa convencer os outros presentes à mesa a experimentar o leitelho, e sua tarefa se complica quando eles despejam o líquido em copos e vêem sua cor.
A discussão, em alguns momentos acirrada, se estende por 20 minutos. Os agentes das mudanças experimentam vários métodos de persuasão, sem muitos resultados. Apenas um deles consegue coagir todas as pessoas de sua mesa a tomar um gole de leitelho, inventando uma história fictícia segundo a qual o leite enviado as crianças na Bósnia é previamente testado por freiras. Goldberg não aprova esse procedimento e interrompe. "Não se pode manipular as pessoas com uma visão falsa", diz ele.
Será que os participantes do exercício do leitelho verde chegaram ao CCL gerentes e saíram de lá lideres? É uma pergunta difícil de responder, se não impossível. Mas para muitas pessoas ela simplesmente não vem ao caso. "Ensinar liderança é impossível", disse Warren Bennis. É uma afirmação surpreendente, considerando-se que Bennis autor de cinco livros sobre liderança, incluindo dois que foram altamente elogiados (Leaders, de 1986, e On Becoming a Leader; de 1989). Nas suas palavras, "liderança é caráter e capacidade de avaliação. E duas coisas que ninguém pode ensinar são caráter e capacidade de avaliação".
ORÇAMENTOS REVITALIZADOS - Paul Severino, presidente do conselho da Bay Networks, uma empresa de tecnologia de 1,3 bilhão de dólares na Califórnia, já fundou três empresas bem-sucedidas e define a liderança em termos simples: "Ter uma visão de como será o futuro e executar com vistas a essa visão". Pode ser. Mas, na busca dos líderes de amanhã, a maioria das empresas está simplesmente revitalizando seus orçamentos de treinamento e esperando pelo melhor.
A demanda pelos cursos de liderança é enorme. O CCL, por exemplo, se expandiu tão rapidamente que foi obrigado a realizar sessões em hotéis e outros locais. O programa de educação de executivos da renomada Wharton School da Universidade da Pensilvânia triplicou de tamanho em menos de cinco anos. Trata-se de uma atividade que tem proporcionado à Wharton School um faturamento de mais de 25 milhões de dólares anuais, com cursos que atraem cerca de 9.000 executivos por ano.
Os professores titulares das escolas de administração de empresas, com salário-base mais pagamento adicional por lecionar nos cursos de educação para executivos e prestar consultoria, ganham hoje 200.000 dólares ou mais por ano, tanto quanto altos executivos de grandes empresas. Os professores das principais escolas de administração americanas podem facilmente ganhar 5.000 dólares por dIa em seminários de três dias, ministrados no local de trabalho das empresas clientes. Vários professores de renomadas escolas de administração americanas, como a Anderson Graduate School of Management, da UCLA, por exemplo, abriram empresas próprias. Um punhado de outros professores está ganhando 1 milhão de dólares ou mais por ano com um misto de atividades acadêmicas e empresariais.
As empresas não se importam em pagar 25.000 dólares ou mais por dia a personalidades dos esportes, como os treinadores de basquete Pat Riley ou Rick Pitino, para que venham apregoar a liderança nos anos 90. Consultores de liderança que são também celebridades, como Tom Peters, podem cobrar 80.000 dólares por dia por seus serviços.
Apesar das fortes pressões no sentido da contenção de despesas, as grandes empresas estão repensando o treinamento de líderes e recomprometendo-se a fundo com o tema. Em 1995, a Motorola gastou mais de 150 milhões de dólares com educação empresarial, oferecendo pelo menos 40 horas de treinamento a cada um de seus 132.000 funcionários. A General Electric, que mantém o seu próprio Centro de Desenvolvimento de Liderança em Crotonville, Nova York, gasta mais de 500 milhões de dólares anuais com treinamento.
DE CLARK KENT A SUPERMAN? - Quer dizer então que, com tudo isso deveríamos estar produzindo uma geração inteira de grandes líderes, certo? Devagar com o andor. "A maioria das organizações não conseguiu ensinar seus executivos a ser estratégicos. Elas fizeram um trabalho terrível", diz Jay Conger, do Instituto de Liderança da University of Southern Califórnia. "Os executivos estão presos na armadilha das responsabilidades funcionais e das tarefas específicas". E apesar do sucesso da nata dessa safra, como a Wharton ou a Stanford, as escolas de administração de empresas, de modo geral, ganham nota baixa por relevância e impacto. Com uma população cada vez menor de jovens entre 18 e 24 anos para encher as salas de aula, as escolas de adrninistração de empresas optaram pela educação de executivos. Mas o currículo da maioria das escolas nem sempre acompanha as mudanças que vêm ocorrendo nas empresas.
"Talvez só 20% dos programas das maiores escolas satisfaçam as necessidades", diz Frank Morgan, diretor de programas para executivos da Kenan-Flagler Business School, da University of North Carolina. Morgan, veterano de 20 anos da General Foods e outros cargos em empresas, costuma falar com franqueza e afirma que os próprios fundamentos do ensino de administração de empresas são frágeis. "As pessoas analisaram a história, extraíram princípios e ensinam esses princípios até hoje, como se fosse certo que eles se aplicariam aos executivos que lidam com o amanhã. Hoje em dia é preciso dotar as pessoas de um conjunto de habilidades que lhes permita analisar as situações e tomar decisões, mesmo quando nunca antes tenham vivido essas situações. Isso e muito mais difícil de ser feito por docentes de uma escola".
O problema é que ninguém ainda conseguiu encontrar a formula mágica - o programa perfeito, totalmente abrangente, para iluminar e remodelar a direção das empresas. Os treinamentos de liderança assumem uma miríade de formas, desde exercícios de subir cordas até grupos de promoção de autoconsciência. Em outros casos, os participantes escrevem e lêem poemas, desenham suas próprias mãos e ouvem música, tudo isso numa tentativa de injetar um aspecto criativo na administração.
Embora nenhum deles garanta o sucesso dos alunos e apesar, também, da atual mentalidade favorável à redução de despesas, as empresas ainda gastam milhões de dólares com treinamento de liderança sem muito questionamento. "Elas fariam bem em começar a questionar", diz Conger.
Na edição de janeiro de 1996 do Journal of Strategy & Business, Conger escreve: "Apesar de tudo que se propagandeia, as empresas que fazem parte do clube o-programa-do-mês estão vendo resultados limitados. A maioria dos programas de liderança tem uma meia-vida de poucos dias ou semanas após o término das sessões. Poucos deles criaram mecanismos adequados de transferência para garantir que as habilidades de liderança retornem ao escritório, e a maioria é prisioneira de uma única abordagem pedagógica que reflete o treinamento de seus próprios instrutores".
O que as empresas podem fazer? Os analistas da indústria afirmam que as empresas estão começando a refletir mais antes de partir para a educação de seus executivos. Elas continuam gastando, mas de uma forma diferente do que acontecia nos anos 80, mais liberados. Agora elas mostram maior preocupação em obter um retorno de seu investimento. Hoje, os executivos já não tem carta branca para se candidatar a seminários vagamente definidos, cujos resultados normalmente não passavam de tirá-los do escritório por duas semanas. Como se ensina liderança em tempos de turbulência? Em meio às mudanças organizacionais maciças que atingem as empresas, quem acumula conhecimento e tecnologia suficientes para ensinar outras pessoas a liderar? Para encontrar resposta a essas questões a tendência atual está sendo a de trazer acadêmicos ou treinadores profissionais para dentro da própria empresa, para criar cursos designados a satisfazer necessidades especificas, ou então a de recorrer a informática para a promoção de cursos via videoconferência ou satélite.
Mais da metade dos cursos de educação para executivos preparados pela Wharton, por exemplo, é hoje criada sob encomenda para empresas específicas. A Wharton trabalhou com a Bell Atlantic, por exemplo, num programa visando reorientar funcionários para que deixassem de enxergar a empresa como monopólio regulamentado e passassem a vê-la como uma empresa competitiva de comunicações, funcionando em nível global.
"Embora sejamos uma universidade, acreditamos que precisamos, agora, agir como empresa multinacional", diz Robert Mittelstaedt, diretor do programa de educação de executivos da Wharton School. "Isso representa uma mudança fundamental na educação de executivos. Antes, enviar um executivo a um curso de duas semanas representava uma recompensa por um trabalho bem-feito. Hoje os clientes nos perguntam: ‘Em que esse curso nos ajuda a cumprir nossos objetivos?’ ".
A Digital Equipment reformulou seu programa de treinamento de funcionários, antes maciço, e a ênfase passou a ser o treinamento interno, em lugar de enviar os executivos a cursos externos. A Digital ainda reembolsa os funcionários pelos cursos que fazem, mas reduziu a oferta de cursos externos. A Digital, que já chegou a enviar até 50 executivos por ano a esses programas, agora exige que cada exercício de treinamento seja vinculado às metas da empresa.
VELHO REFRÃO - As empresas concordam em um ponto: no ambiente empresarial mudado de hoje, os velhos estilos de comando não funcionam. Orit Gadiesh, presidente do conselho da Bain, empresa de consultoria em gerenciamento, diz que o líder empresarial bem-sucedido dos anos 90 adotou um estilo muito mais motivacional, baseado mais em ouvir e inspirar confiança do que em gritar ordens.
A tecnologia exerceu um impacto direto sobre esse novo e instável cenário empresarial. "A tecnologia tem forte relação com a auto-estima desses sobreviventes de demissões", explica David M. Noer, vice-presidente sênior de treinamento e educação do Centro de Liderança Criativa, que também se propõe a desenvolver as habilidades de liderança dos executivos. "Os funcionários jovens, tecnicamente qualificados, estão se dando bem e são muito procurados pelas organizações. Mas o computador pessoal ajudou a eliminar uma camada de gerentes de nível médio, que transmitia informações da direção da empresa ao escalão inferior, e vice-versa. Com o PC, eles deixam de ser necessários."
No final das contas, mesmo num ambiente radicalmente novo, num novo conjunto de regras e papéis, ainda há lugar para o velho refrão: nada substitui a experiência. O velho ditado de que "quem não consegue fazer ensina" não se aplica nessa batalha. "Você dá as pessoas os conceitos de que elas precisam e, a partir disso, elas mesmas têm de inventar o resto, em campo", diz Harnmer. "Na realidade, a única forma de aprender tudo isso é fazendo." Os líderes emergentes serão identificados pelo fato de terem sobrevivido a provas de fogo. É imperativo, portanto, ostentar cicatrizes ganhas na batalha.
Fonte: © 1996, Forbes ASAP na EXAME/29 de Janeiro de 1997

Comments: Postar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?